O poeta é um desalinhado: no monogâmico mundo civilizado, ele é o único a poder por 'direito natural', repartir a alma e o coração com vários seres amados, em simultâneo.
O poeta nunca trai porque ama com a alma, mesmo quando a alma é todo o seu corpo fremente...
(Um gesto de solidariedade para com uma amiga muito querida, a braços com uma dúvida sobre a sua saúde – que espero, ou melhor, que acredito, não virá a confirmar-se!)
Ainda consigo lembrar Na ténue rebentação Das ondas do teu mar Quando ouso mergulhar Cada vez mais fugaz O meu olhar Bem no fundo de ti Aquela outra maré Em que perdi o pé E a razão Mas os bramidos Da tua preia-mar Ou os gemidos Do teu amainar Que faziam a rotina De todos os dias Já não fazem soar Trombetas celestiais E até no céu Do teu olhar E também do meu Aos alvores matinais Tolda-os agora um véu De névoa fria O cheiro a maresia Começa a dar lugar Ao odor mais denso E menos apelativo Da terra molhada O sol que nasce em ti Brilha menos intenso E copia do Astro Rei O gesto furtivo Da carícia roubada Ou não consumada É a mudança de Estação Porque também o amor Tal como o Verão Perde o fulgor De forma natural Só que mais radical Definitivo e fatal Porque neste caso o processo Não tem forma de regresso
(Inspirado em partes iguais, no relembrar de vidas passadas e na observação atenta da imensidão deste mar de Vila Praia de Âncora em finais de Agosto deste ano de 2009)
Mil vezes tentei
E outras tantas desisti
Quase fiquei
Quase parti
Mas só quando quebrei
A dependência de ti
E me libertei
Percebi
Que quase nada
Mantinha a chama
E esta apagada
Resta a quem ama
Pouco mais que nada
Acabamos pois com tudo
(Afinal quase nada)
Parti mudo
E tu calada
Afinal para termos tudo
Faltou só um quase nada
De tudo...
Hesito...
Entre o dinâmico vai - vem
Ou a estática que me retém
E fico
Porém
Tal como a água da levada
Não move moinhos parada
Também
Parado
À espera que aconteça
Ou que o forno aqueça
Apagado
Equivale
Ainda que mal comparado
A querer ter-te a meu lado
Divinal
Palpitante
Sem te ter cortejado
Sem me fazer amado
E neste instante
Já não hesito!