Libações em cama de cerejas ...
Eu quero ser
o teu querer
de Ravel o teu Bolero
e também quero
ser o teu mar
água terra fogo e ar
interlúdio musical
aurora boreal
quero que sejas
a taça de cerejas
daquele Maio distante
a libação de espumante
servida em ti
e onde imergi
no teu efervescer
ouses tu querer
tal como eu quero
e serás o meu Bolero
a minha Quinta Sinfonia
a Ode à Alegria
e a única se quiseres
Entre todas as mulheres
que tentei amar
à força de te buscar
Celestino Neves - Fevereiro de 2016
Noite pequenina
Plena de espertina
De sonho arredio
E sono tardio
Mil vezes tentado
Mil vezes falhado
Porque o mocho e a cotovia
Donos da noite e do dia
Só me falavam de ti
Desisti
Acendi a alvorada
Na esquina da madrugada
Roubei à brisa lasciva
A memória olfactiva
Que guardava de ti
E decidi
Adormecer a fantasia
Num afago de água fria
Ascendi à açoteia
Agarrei a lua cheia
E roubei-lhe uma fatia
Polvilhei-a de maresia
Saboreei devagar
E antes de voltar
À cama vazia
Agarrei uma fugidia
Madeixa de luar
Que virou raio solar
Zangada pela ousadia
Foi uma noite de cansaços
De lassos abraços
Plena de nada
Onde até a almofada
Extenuada quanto eu
Ao carinho meu
Se fez de rogada
(Celestino Neves – editado em 25 de Janeiro de 2015)
P OETIZANDO
Poesia pode ser
Um corpo de mulher
Feito porto de abrigo
Ou local de perigo
O teu é tudo isso
E tanto mais omisso
A arte de navegar
Adivinhando o mar
E todos os escolhos
No mapa dos teus olhos
Mas também pode ser
O inefável prazer
A escondida harmonia
Na musical cacofonia
Do bucólico dealbar
Ou este versejar
Tentando lembrar
Que hoje é o dia
Dedicado à poesia
Tu és
Aquela vez
Aquele céu
Meu e teu
Vulcão
Explosão
Princípio e fim
De ti e de mim
Em ti
Morri e renasci
Cem vezes uma vez
Ou mil vezes mil talvez
Tântrico fogo lento
A vida num momento
Aventura omitida
Música preferida
Tu és
O meu arnês
Na íngreme escalada
A bebida partilhada
Tu és
O meu dia de cada vez
Meu porto de abrigo
A bênção que bendigo
Mas também o pecado
Jamais revelado
Tu és
Um sonho talvez
No sopé do teu ventre
Venço o quase impubescente
Triângulo das Bermudas
Ou quando te desnudas
De ti simplesmente
E aporto finalmente
Das colinas a montante
Onde me acolhi ofegante
Jorra a luz dos teus olhos
Iluminando os escolhos
Por onde naveguei
E a jusante rumei
Até chegar aqui
Ao epicentro de ti
Ao teu porto de abrigo
Onde já não corro perigo
E onde até descobri
Que afinal não morri
Bem me quer mal me quer
Mulher
Se for esse o teu querer
Morrer
Morrerei contigo
Digo
Nada aos costumes
Gumes
São dois os da espada
Afiada
Do teu e meu querer
Viver
Acompanhas-me no segundo
Mundo
É o nosso destino
Rimo
A dor de te não ter
Mulher
Quero se tu quiseres
Queres
Desafiar o meu querer
Viver
Mal me quer bem me quer
Nos teus olhos a negação
Pode ser percalço
Porém vou no encalço
E em reflexa reacção
Transformo o teu não
Onde adivinho indecisão
Em lenta degustação
Em deleitada fruição
Ainda contida
Mas agora consentida
Progressão
Palpação
Avaliação
E na clara percepção
Da tua palpitação
Diagnostico e prescrevo
A medicação
Porque o não
Nunca foi mesmo opção
Prolongamos a contenção
Do tântrico momento
Num século de fruição.
Até à ignição
À explosão
À combustão
Um minuto mil um milhão
Precedem a exaustão
Ou não
Porque a todo o momento
O reacendimento
Pode ocorrer
Se activo permanecer
O triângulo de fogo
(Tu e eu combustível
Eu e tu comburente
E calor de nós dois)
Só haverá epílogo
Quando um dos dois
Aceitar o depois
Isto se não acontecer
Que entre o querer e o poder
Inesperada
Incontrolada
A triangular combustão
Vire tetraédrica reacção
Que nem o mútuo querer
Seja capaz de conter
(E sendo assim
O teu sim
Ou teu não
O meu não
Ou o meu sim
Deixam de ser opção)
Uma abordagem poética sobre a definição conceptual da química do fogo (a minha 'costela' de formador na prevenção de incêndios...).
Manietas-me
Com a seda dos teus cabelos
Preenches
As breves horas do meu sono
Sonho
Que te deitas a meu lado
Aqueço-me
Na tua cútis em brasa
Sonâmbulo
Percorro-te a periferia
Tateio
Imaginários contornos
Exploro
Um venusiano monte
Inspiro
No cimo de duas colinas
Desperto
E a eréctil solidão
Ocupa
A cama pela metade
Vazio
Está o espaço ao lado
Concluo
Que sonhei
Porque não encontrei
Cabelos
Calor
Sinais de vénus
Colinas
Apenas te inventei
Fica a leste do paraíso
Onde céu terra e mar
Anoitecer e dealbar
Se juntam no teu sorriso
Pego a vaga maior
Até ao topo do mundo
E ao teu centro fecundo
Acolho-me no teu calor
E bem lá no fundo
Em tântrica apneia
A decisão titubeia
Por um milissegundo
Tateio-te no escuro
E emergindo de ti
Descubro que é aí
Que presente e futuro
Se hão-de misturar
No sopé das tuas dunas
No teu cais das colunas
Na orla do teu mar
Aí estará o meu nirvana
Ao sorver na tua pele
Com leve toque de mel
A sudorípara tisana
Nuvem
Inoportuna Interposição
Entre o meu sim e o teu não
Barreira
Cabeça e coração
Velocidade e travão
Conflito
Desejo inibição
Imposta rejeição
Correlação
No nosso desigual querer
Sofrida hesitação
A que leio no teu não
Difícil a opção
Entre céu e razão
Sim ou talvez não
Impõe-se a mente
Claudica o coração
E fora de questão
Fica o meu querer
Amor desejo prazer
Deixarão pois de ser
A única opção
Se com isso eu puder
Amar-te sem te ter
O poeta é um desalinhado: no monogâmico mundo civilizado, ele é o único a poder por 'direito natural', repartir a alma e o coração com vários seres amados, em simultâneo.
O poeta nunca trai porque ama com a alma, mesmo quando a alma é todo o seu corpo fremente...